Ah... Minhas mulheres






Quando ela tragava o cachimbo, a boca emitia um som estranho. Ela salivava bastante, e a cusparada babada e condensada era clara, carregada e se esparramava feito "baba" de babosa, e se juntava às outras em forte união, na calçada. 
A fumaça era escura, o cheiro era bom. Ela me abraçava forte, e o cheiro vinha, adentrava minhas narinas... Essa é a principal lembrança que tenho dela nos dias de minha infância. 
Não sei bem porque ela reapareceu de supetão em minha cabeça. 
Tomo mais um gole de café, mais uma tragada em meu cigarro de palha, e trago para dentro de mim sentimentos calorosos, lembro da pele cor de jambo daquela senhora, que se enrugava, dobrava-se como se quisesse se esconder.
Olho minhas mãos, as mesmas mãos que eu apoiava naquela calçada cuspida, quente, e porosa.
Mais uma tragada; há alguns meses,  reencontrei esta senhora. Antes, certamente, usava dentadura, hoje, ela não liga em apresentar-se com uma boca murcha e desdentada.

Havia também uma outra senhora que me presenteava com doces, dinheiro, e muitos sorrisos. Ela adorava meus cabelos longos e meu jeito alegre e afetuoso. Essa, eu também reencontrei há uns meses atrás. Como a senhora da pele cor de jambo, ela também está meio esclerosada, as vezes ameaçava em lembrar quem eu era, mas melancolicamente ela não conseguia me reencontrar nos arquivos de sua memória. Essa, no reencontro, cheirava a mijo.

Havia também uma outra vizinha, essa, me presenteava com bananas, tinha olhos azuis, se não me engano, daria tudo para saber do seu passado, e o que lhe levou até aquela rua. A lembrança mais clara que tenho, é dela em uma cama. Estava à beira da morte. Era de pele branca, e já tinha os cabelos brancos. Não a vejo há anos, e também não faço questão de lembrar o dia em que ela desceu o beco da pavoa, nossa rua, no caixão.

Tantas mulheres, tantas senhoras, tantos sentimentos, tantas histórias. Eu não me esqueço.Eu não esqueço, e não me vejo mais sendo mimado, muito menos amado em momento algum pelas que ainda estão vivas. Elas não mais se lembram de mim. Cabe eu agora amá-las sem nada esperar, incondicionalmente, chegou minha vez de amá-las, por mais que elas me olhem e vejam apenas um rosto, um homem, um vagabundo, um mentiroso qualquer. 

Comentários

  1. Acho que vc deveria ter mencionado as mulheres cor de saco de pão, elas também podem ensinar muitas coisas. :)

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  2. Acho que vc deveria ter mencionado as mulheres cor de saco de pão, elas também podem ensinar muitas coisas. :)

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  3. Ah verdade! To tentando aprender com elas, ainda. rs

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