Em Brasília, 1957





E estava sol mesmo, naquela tarde. Como de costume, nós vagabundos gostávamos de ir para o canteiro central do Eixo Monumental, nas alturas de onde mais tarde seria o ginásio Nilson Nelson, para deitarmos em nossas redes improvisadas (Até hoje, é possível encontrar os restos do que um dia foram nossas redes), e comermos Jaca.  Lá pra baixo era barulhento demais, vagabundo nenhum aguentava aquele ambiente; poeira demais, gritos o tempo todo, violência, mor-ria gente todos os dias! 

Aqui no Pomá é ponto di incontro dus vagabundo qui num qué cavá buraco de graça. Aqui incontramo us conterrâno qui vem du trabalhu, aqui nóis bebe cachaça quandu alguém traiz pra passá u dia bebeno na obra lá imbáxo. Aqui nóis foge um pôco da angúxtia qui nóis sente im tê vindu pra tão longe, pra sofrê. Passei u dia catano prego lá na obra, pra fazê uma barraca pra eu morá lá no mei do mato, nesse día eu mi dixtraí um pôco. A hóra de  saí du pomá é quando u povo vai imbora, quando tá perto du pô-do-só, fica tudo laranjado, eu subo numa árvure, ficu olhano pra rumo di ondi vim nu caminhão. Eu até procurei seu Antõe, pra sabê si eli mi levava di vota pá casa, mai eli peguntô si eu tinha dihêro, i eu num tinha nem uma prata nu bôso pá pagá. Eu tô dum jeito qui só Deus, visse... Homi, tô doido pra vê mainha! 
Quando eu vim pra essi fim di mundo, eu ainda ia fazê dizôito ano, pensei qui ia consegui ganhá aguma coisa, mai acontece qui nu acidenti eu perdi uma parti du braço, pur sorti num morri, i agora eu num prexto mai pa nada, aqui não!
Si eu pudess, naquela hora que eu vi meu pai morrê, eu num tinha trocado os pé pelas mão, não, i num tinha saído du meu sertão. Troquei. Perdi uma mão, moro no mei du mato qui nem um bicho, i quando o só tá no mêi du céu, eu vô lá pra pertu da obra pra cumê fruta. Já tô sabeno qui tão derrubano umas árvure de pé di fruta, eu já num sei u qui vô cumê, plantáru umas ôtra, ma vai demorá pra crecê.
Já pensei in ir pras casinha qui tem lá pra báxu, mai lá tem morte, puliça braba e inguinorante, fome, duença, lixo, isgôto, falsidade.A puliça mata, abusa das pessôa, di nóis du nordexte, extrupa as mulhé, e abusa da genti. Sô mais aqui in cima nu mátu. 
Deitu na redi, chove, mi molho, penso. To muto sujo, para di chuvê, faiz calô, i eu num sei mai u qui fazê, tô num "banzu" qui faiz goxto. Ôtru dia eu fui di péis, bêrano a linha du trêm, mais disixti, a Paraíba é longe dimais, to aqui, isperâno u pô-do-só pra eu subi na árvuri, i ficá olhano pra rumo di lá, pra ficar imaginano u dia im qui eu vim, pra ficá imaginano u afago di mainha, pra ficá iscutano a voiz dela, u barulho dus bicho qui tem lá, das carroça, duis jumento, pra senti a vida qui eu dexêi, i qui eu num vô tê nunca mai.





Comentários

  1. TUDO A VER, POETA!VOCÊ É O NOVELISTA DESTA ILÍADA MACUNAÍMICA. POR ISSO TE ADMIRO! http://www.portaldovoluntariado.df.gov.br/projetos/brasiliada---a-novela-de-brasilia
    Brasilíada - A Novela de Brasília
    Brasilíada, a novela de Brasília é uma produção audiovisual para TV e Redes Sociais que conta a história de personagens que vivenciaram a construção e consolidação da capital do Brasil em diversas fases, 1956/60, 1968, 1978,1994 e 2017. No capítulo 1 será contada a história de Paula e Bernardo, um casal proprietário de terras no local escolhido para se erguer a nova capital do Brasil. Envolvidos como agentes pioneiros na epopeia da construção de Brasília, onde nasce o filho Pedro, tais personagens desenvolverão trajetórias que mostrarão como pano de fundo o evento da mudança da capital pelo ângulo do interior, em contraponto à visão anti mudancista do litoral.
    Agência ECCom - Rede Comunitária de Comunicação

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